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No meio das personagens, quem sou eu?

  • Foto do escritor: E. Gonçalves
    E. Gonçalves
  • 14 de set. de 2024
  • 3 min de leitura



Às vezes, dou por mim a pensar no meu primeiro amor... Na primeira pessoa que me fez sorrir sem razão aparente, o primeiro rapaz cujos hábitos comecei a observar atentamente. Eu tinha treze anos, ele, dezanove. Lembro-me de como me sentia bem na sua companhia, de como sua presença me trazia serenidade, sem ansiedade — apenas felicidade e segurança. Eu era uma criança tímida, sempre ouvia as mesmas críticas que qualquer introvertido já escutou: "tens que falar mais", "arrebita", "ganha mais personalidade", "não sejas tão tímida", entre outras. Acabei crescendo a observar as interações dos outros e tornei-me uma expert em "fazer conversa", em "não ser inconveniente". Foi por essa altura que comecei a "abrir-me" mais para o mundo e para as pessoas, mas o "eu" que gosta de estar sozinho, o "eu" tímido, sempre esteve presente. E hoje percebo que, com ele, nunca precisei de atuar. Tudo era simples, pacífico.


Tenho vinte e seis anos agora, e essa história aconteceu há muitos anos, mas vejo-a de forma diferente hoje. Nunca nos envolvemos romanticamente, até porque acredito que, para ele, eu era apenas a irmã mais nova de um dos seus amigos, nada mais. Sempre houve muito respeito. Lembro-me de acordar cedo nos fins de semana para ir vê-lo na esplanada, porque sabia que ele gostava de observar o mar de manhã. Durante a semana estávamos na escola, e ao final do dia, às vezes, ele ia à minha casa para estar com o meu irmão.

Uma vez ficamos sentados juntos, a conversar. Ou melhor, ele falava, e eu escutava. Eu sorria e concordava com muitas das coisas que ele dizia, e às vezes os meus olhos brilhavam diante do conhecimento de vida que ele já possuía. Agora, penso se ele não estaria a passar por algo difícil, para ser tão maduro aos dezanove anos. As nossas conversas eram interessantes, simples, e eu sentia-me sempre envolvida naquilo que ele dizia. Era tudo tão puro. Uma vez, ouvimos música juntos. Ele tinha um MP3 e partilhou um dos fones comigo, apresentando-me novos géneros e letras. Ele prestava atenção às letras e fazia comentários sobre elas. Tenho pena que aquele momento tenha sido tão breve.


Nunca senti que precisava provar algo para ele, mostrar que era capaz de alguma coisa. Nunca senti necessidade de manipular de criar historias para atirar a sua atençao. Essas ideias nem sequer me passavam pela cabeça. Ele respeitava a minha timidez e nunca me pressionava a falar mais ou menos do que eu queria. Provavelmente, para ele, eu era apenas a irmã mais nova do amigo. Ele tinha vários irmãos, sendo ele um dos mais velhos, talvez até o mais velho. O pai dele era conhecido por usar roupa íntima feminina, e talvez isso — junto com a responsabilidade de ser o irmão mais velho — o tenha tornado tão maduro.


Algum tempo depois, ele arranjou namorada e a nossa rotina mudou. Ele já não aparecia mais na esplanada de manhã, e, a partir daí, cada um seguiu o seu caminho, sem despedidas, sem saber o que o futuro nos reservava.


Ele mudou, eu mudei.


O que me intriga é como o meu gosto por homens se transformou. De algo tão simples e puro, comecei a sentir-me atraída por playboys. Como isso aconteceu? Como passei de uma “relação” tão genuína para algo tão complicado e superficial? Como comecei a acreditar que poderia mudar esses homens? Quando me tornei essa pessoa narcisista?


Por que agora não consigo ser vulnerável com alguém? Ser eu mesma, de verdade, com alguém? Esta questão atormenta-me todos os dias:


Quem sou eu?

No meio das personagens que criei para me adaptar a uma sociedade corrompida, quem sou eu?

Por que me sinto a pessoa mais extrovertida com algumas pessoas e, com outras, mal consigo ter a interação mais simples? Medo? Autodefesa? Insegurança? Medo que se apercebam que sou uma mentira?


Terei eu medo de mostrar quem realmente sou e ser rejeitada por isso?


E.

 

 
 
 

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